1950. Mais de 200 mil pessoas viam, incrédulas, o Uruguai vencer o Brasil em pleno Maracanã para conquistar a Copa do Mundo. Mais de sete décadas depois, a seleção brasileira volta a perder um título em casa. Mas a diferença do tamanho das duas derrotas é colossal.
Diante de alguns convidados, que só entraram no Maracanã após uma grande confusão, com direito a denúncias de testes falsos de Covid, Argentina e Brasil decidiram um torneio que perdeu a força nos últimos anos devido a sua constante realização. E, é bem verdade, um torneio que nunca esteve no nível de importância e qualidade de uma Copa do Mundo.
Dito isto, é possível afirmar, por outro lado, que a conquista argentina foi histórica, muito mais pelo longo jejum que o país vivia em termos de títulos (28 anos), e por significar a única conquista pela seleção principal do maior jogador da história do país, do que pelo que realmente significou o torneio, realizado em meio a uma pandemia que tarda a ir embora.
Para o lado brasileiro, a derrota pode não abalar por completo o planejamento da comissão técnica para a Copa do Mundo do ano que vem. Mas é certo que, por outro lado, deixou claro alguns pontos débeis do time de Tite.
Há de se separar em uma ilha o desempenho individual de Neymar do desempenho coletivo do ataque brasileiro. O atacante fez uma grande Copa América, e também na decisão teve um desempenho de alta performance, chamando a responsabilidade e buscando formas de furar o bloqueio defensivo argentino. Mas futebol, veja bem, é um jogo coletivo.
A Argentina é prova disso. Lionel Messi fez uma final muito abaixo do que vinha apresentando no torneio. Ángel Di María, então, assumiu o protagonismo. Rodrigo De Paul fez uma partidaça. O time, como um todo, se portou bem dentro da proposta (rústica que seja) de Scaloni.
O Brasil, porém, não conseguiu causar desequilíbrio sem Neymar. No primeiro tempo, a seleção atuou em 4-3-3, com Cebolinha aberto na direita, Neymar na canhota e Richarlison centralizado. Richarlison não rendeu bem como referência ofensiva, Cebolinha não atacou a profundidade e Neymar não recebeu o apoio de Lucas Paquetá, referência criativa no meio. Casemiro não dominou o meio-campo como de costume, e Fred ficou logo limitado por um cartão amarelo com três minutos de jogo.
Sem a presença de Paquetá no corredor central, e sem o apoio eficiente dos laterais (nem Lodi se destacou ofensivamente), a linha ofensiva brasileira foi dominada pelos quatro defensores argentinos, com dois laterais que avançaram pouco.
No segundo tempo, Tite conseguiu mudar um pouco o quadro usando o 4-2-4, com Firmino na vaga de Fred. Ainda dependendo muito de Neymar, é verdade, o ataque brasileiro conseguiu superioridade numérica pelos lados do campo. Assim surgiu a melhor chance de empate, um belo passe de Neymar para Richarlison, que bateu em cima de Emiliano Martínez.
Scaloni passou sufoco por 15, 20 minutos, até ajustar sua linha defensiva. Primeiro colocou Guido Rodríguez, mais combativo no meio, e depois Tagliafico. A Argentina passou a defender em 5-3-2, conseguindo dominar bem a amplitude do campo. Sem o avanço dos laterais, o Brasil acabou dominado novamente, sem conseguir reverter o quadro.
O Brasil começou a perder a final antes mesmo de ela começar. Na verdade, antes até da semifinal. A expulsão de Gabriel contra o Chile tirou de Tite uma opção importante para o setor ofensivo. Atuando aberto na direita, Jesus ataca com mais eficiência a profundidade que Everton, que por sua vez se sente muito mais à vontade atuando aberto pela esquerda.
Na linha defensiva, Alex Sandro, que sentiu um desconforto muscular e perdeu a fase decisiva da Copa América, também fez falta. Lodi nem foi o jogador ofensivamente decisivo que se espera, e muito menos conseguiu ser seguro defensivamente.
O gol da Argentina, de Ángel Di María, mostra um pouco isso. Não só o erro individual de Lodi, que posicionou mal o corpo e não conseguiu atacar a bola de forma eficiente, permitindo a infiltração de Di María, como também sua falta de sintonia com a linha defensiva. Apesar de De Paul ter liberdade para fazer o lançamento e, teoricamente, no conceito de bola descoberta (portador da bola sem marcação), a linha defensiva ter normalmente que recuar, Danilo, Marquinhos e Thiago Silva permaneceram em linha alta, enquanto Lodi, recuado, deu condições de jogo a Di María.
A falta de substitutos com as mesmas características dos titulares preocupa a formação do grupo para 2022, mas é apenas uma das dores de cabeça de Tite. A derrota para a Argentina deixou muitas incertezas na seleção, mas também provou um ponto importante: muito se falou das dificuldades da seleção sem Neymar, mas pouco se discutiu a importância do entorno estar bem conectado com o craque. A seleção sente falta quando Neymar não está, mas precisa de muito mais que o atacante para sonhar alto. Como a Argentina não pode depender 100% de Messi. Para o resultado final ser satisfatório, Neymar depende muito mais da seleção do que a seleção depende de Neymar.
0-1 | ||
Ángel Di María 22' |