"Faltam poucos dias", reconheceu Fred. Nada mais simbólico que se despedir com um último título, no Maracanã, em um Fla-Flu. O artilheiro está preparado para deixar os gramados, aos 38 anos, e o torcedor há muito se acostuma a uma vida sem seu ídolo, desde a primeira despedida. O que não significa que há como evitar a emoção. Do "Milagre Tricolor" ao Carioca de 2022, Fred foi peça-chave para a reconstrução de um gigante que teve sua existência ameaçada na década de 90. Chegou a hora de decretar o fim de uma era, e a mais vitoriosa da história do clube.
O contrato de Fred é válido até o dia 21 de julho de 2022, data do aniversário de 120 anos do Fluminense. Um prolongamento da relação até o fim da temporada chegou a ser cogitado, mas parece cada vez mais distante. O discurso do goleador indica até mesmo o contrário, a possibilidade de antecipar sua saída de cena com o título estadual, o seu primeiro no Maracanã. Sairá "100% realizado".
"Terminar com um título é especial. Só tenho a agradecer a esse clube nesses 12 anos em que eles estão me aturando. Se tivesse como escolher o momento desse fim, seria com um título", discursou.
Não foram 12 anos sem interrupções. Fred já se despediu uma vez e, neste retorno, foi mais importante pela liderança e por tudo que simboliza nas Laranjeiras do que pelos gols e pelas atuações. Como jogador, Fred é hoje reserva de Cano. Como personagem, o artilheiro é insubstituível. É preciso recuar mais de uma década para entender o motivo.
É rotina no Brasil vermos grandes clubes alternarem em ciclos de crise, esperança e sucesso. Vide o exemplo mais recente do Cruzeiro, atolado em dívidas e tentando encontrar a salvação na criação da SAF, depois de uma década gloriosa, com bicampeonato brasileiro e da Copa do Brasil. O torcedor do Fluminense com mais de 30 anos conhece bem a sensação. O fim dos anos 90 foi desastroso para o Tricolor e o declínio em certo momento pareceu irreversível. A volta por cima teve início em 99, com o time na Série C, e com uma parceria duradora com a Unimed.
O primeiro passo foi dado com sucesso em um time comandado por Carlos Alberto Parreira. Da terceira divisão, o Fluminense pularia para a elite com o título graças ao caos organizacional do futebol brasileiro à época, com a criação da estranha Copa João Havelange. Um salto que viraria motivo para provocações eternas dos rivais. O Flu, no entanto, estava longe de ser a potência temida de outros tempos, o então maior campeão carioca. A evolução foi ano a ano, e cresceu também junto com o sucesso da empresa de saúde que praticamente bancou o futebol tricolor no período.
Em 2007, o Flu voltou a comemorar um título nacional: a Copa do Brasil. Em 2008, perdeu na altitude de Quito a chance de se sagrar campeão da Libertadores. Em 2009, viu o pesadelo da década de 90 voltar a assombrar. O Fluminense chegou não apenas a flertar com o rebaixamento, mas a ter 99% de chances matemáticas de queda. No meio da adversidade surgiu a mística do "Time de Guerreiros", com Cuca no comando, e começou a ser escrita também uma história de idolatria.
Fred já estava no clube quando surgiu a ameaça do rebaixamento. Retornou depois de passagem de sucesso pelo Lyon, onde perdeu espaço para o jovem Benzema, mas acima de tudo para lesões. Não fossem por elas, dificilmente o goleador aceitaria voltar, com uma carreira que ficaria conhecida tanto pelos gols como pelos problemas físicos. Em 2009, depois de bom início no Fluminense, o atacante saiu de cena para o departamento médico. Quando retornou...
Foram sete gols nas sete rodadas finais do Brasileirão, com direito a seis vitórias consecutivas. No último jogo, o Flu garantiu a permanência em confronto direto com o Coritiba, com empate em 1 a 1. 1% bastou. Estava consumado o "Milagre Tricolor".
Em 2012, Fred teve maior sequência no Brasileirão e foi artilheiro do torneio, com 20 gols em 28 partidas. Nesta época, o atacante já era ídolo incontestável nas Laranjeiras. O jogador seria artilheiro do certame novamente em 2014 pelo Tricolor.
Para muitos, os títulos podem ser colocados na conta da "Era Unimed". Mas talvez fosse mais justo falar em "Era Fred". Não por acaso o atacante viu seu nome ser lembrado como o segundo maior ídolo da história centenária do Fluminense, atrás apenas de Castilho, o goleiro que elevou o significado de se sacrificar pelo amor ao clube ao amputar um dedo para poder atuar pelo Tricolor.
Os altos salários impediram a estada de Fred por muito tempo após o fim da parceria com a Unimed, apesar dos esforços do atleta para se adequar à nova realidade de então. O atacante passou por Atlético Mineiro e Cruzeiro entre 2016 e 2019, com relativo sucesso. Voltou às Laranjeiras em 2020 de forma apoteótica, com uma jornada de cinco dias de bicicleta entre Belo Horizonte e Rio de Janeiro.
Fred desta vez chegou a um clube em crise financeira, sem o aporte dos tempos de Unimed. Solidificou ainda mais seu papel de ídolo e líder, e não deixou de fazer seus gols. Na temporada 2020, atrapalhada pelo Covid, foram poucos, apenas cinco. Mas mesmo longe do auge, o atacante chegou aos 20 gols em 2021.
Os gols renderam recordes e marcas importantes. Fred alcançou o posto de segundo maior goleador do Brasileirão, o maior dos pontos corridos, e o maior do Fluminense. Tornou-se no maior goleador da Copa do Brasil, segundo maior goleador brasileiro da Libertadores. Ultrapassou os 400 gols na carreira e, hoje, está a três dos 200 só pelo Fluminense (talvez nunca chegue lá).
O Carioca de 2022 pode não ter, de perto, o peso dos troféus de 2010 e 2012, e nem mesmo da reação de 2009. Mas, curiosamente, Fred nunca tinha levantado um troféu no Maracanã pelo Fluminense. A rivalidade Fla-Flu, e o momento de maior investimento do rival, apenas adicionaram ingredientes a uma conquista especial para o goleador. Um troféu para se despedir de um ídolo, que fez o clube atingir um novo patamar.